Clara Meirelles: “A sala de jantar está no palco”

Carol Lopez, Bebel Ambrósio, Tatiana Infante e Fernanda Heras em cena na peça "A Hora Perigosa".

 

A sala de jantar já subiu ao palco em incontáveis clássicos da nossa literatura dramática. Edward Albee colocou-a em cena em “Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?”; Yasmina Reza, em “O Deus da Carnificina”; Hitchcock, em “Festim Diabólico”; e muitas outras obras acontecem nesse espaço, que comporta o papo superficial e o mais profundo, vai da mobília reveladora ao destrinchar dos acontecimentos. A inspiração nos mestres trouxe a sala de jantar para A Hora Perigosa. Antes de chegar nela, entretanto, passamos por diversos cômodos.

 

O espetáculo nasceu de uma proposta do elenco. Quatro atrizes, Carolina Lopez, Fernanda Heras, Bebel Ambrosio e Tatiana Infante, reuniram-se em torno do objetivo de fazer uma peça de teatro em que elas fossem protagonistas, além de produtoras. Na sala do meu escritório, começamos reuniões em que discutíamos textos, referências, histórias femininas. Contamos casos, lemos, comentamos. Um conto de Clarice Lispector nos chamou atenção. A personagem de Clarice, no meio do automatismo da vida cotidiana, tenta escapar da reflexão sobre sua rotina, de um momento de risco que define como a sua hora perigosa. Por aí começamos nossas indagações sobre o abismo entre o que se quer ser e o que se é – com um tempero feminino. O que é ser mulher aos 30 anos? O que se deseja ser? O que significa a cumplicidade entre pessoas que se gostam? A cumplicidade comporta segredos? Qual é o limite entre a amizade e o amor? É possível conhecer integralmente uma pessoa? Assim nasceram as personagens Carmen, Bia, Valentina e Ana.

 

Carmem (Tatiana Infante) é uma advogada bem-sucedida; Bia (Carolina Lopez) mora em Berlim e viajou só para o reencontro; Valentina (Bebel Ambrosio) representa a eterna adolescente; e Ana (Fernanda Heras) prefere cuidar dos maridos e do filho. Se o tempo as tornou tão diferentes, um acontecimento, porém, une as quatro, e aprofunda as zonas de sombra de suas personalidades. Ser mulher às vezes é uma delícia, às vezes é insuportável. E muito divertido.

 

Passamos para outra sala: de ensaio. Nessa etapa, já com o diretor Daniel Herz, também responsável pela dramaturgia, e sua equipe, as personagens ganharam corpo através de improvisos, discussões e aprofundamento. Rompendo com a linearidade temporal, o processo criativo nos levou a explodir a sala de jantar em outros espaços: a casa em que Bia e Carmem se encontraram, o quarto em que Ana e Valentina estudaram, a noite de Ano Novo em que as quatro estiveram juntas. As idas e vindas da memória, fragmentadas, nos levam para muito além daquele reencontro inicial.

 

Gosto sempre de indagar o que há por trás de uma construção. “Passa o vinho”! “A bruschetta está no forno”? “Cadê a Rebeca, que não chega”…  “Olha aqui o vídeo do meu filho na natação”. O papo banal não sustenta mais as revelações e o despir de cada personagem. Elas se revelam em suas contradições, desejos e frustrações. Tornam-se, assim, humanas. Despidas, imperfeitas, são mulheres mais verdadeiras. Creio, com isso, que o espetáculo sirva para olhar o humano – portanto, a nós mesmos.

 

Basta uma sala e um sofá. E, claro, saber rir.

 

Serviço

Espetáculo: A Hora Perigosa

Temporada: 13 de junho a 31 de agosto, sextas (21h30), e sábados (21h) e domingos (20h)

Ingressos: R$ 60,00 (meia-entrada: R$ 30,00)

Ingressos online: https://www.ingresso.com/

Aceita dinheiro e cartões. Ar condicionado.

Gênero: Comédia dramática. Duração: 80 minutos. Classificação: 14 anos.

 

Teatro Fashion Mall

Estrada da Gávea, 899 – São Conrado, Rio de Janeiro/RJ

Tel: (21) 3322-2495 . Capacidade: 474 lugares

http://teatrofashionmall.com.br/

 

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